sábado, 7 de março de 2009

TALISMÃ DO MUNDO
(Ode à União Africana)

A África-talismã funciona como um imã que roda
Antes distraía os egoístas, agora causa repulsa
Com seus meninos que mal se movem nas tripas
Antes atraía a cobiça, agora enoja pelas doenças
Pelas multidões que parecem sem destino
Antes era útil pela força de seus músculos
Agora é preciso mandar armas pra lá, e balas
Porque o ouro todo virou moeda de ódio.

O imã é uma bigorna com almas invisíveis
Encolhidas... E que ora estão mais juntas
Porque o ser humano aglutina energias cósmicas
Quando o seu destino é irremediável.

Os pretos tentam matar a fome com o coração
Mas há uma cloaca nova, de pássaro,
Que rejeita o coração agora
O alimento encontra-se no fundo da terra...

É a tradição, o que estava gravado ao diamante,
E que ficou depois que levaram as gemas
Não é o antílope, mas a velocidade efêmera
Não é a madeira, mas a máscara que geme
Não é o imaginário, mas a imaginação suprema
Não é o fóssil, mas o eco da antiga voz
Grasnido, balbucio, som na baba que ficou
Depois do último murmúrio...
A palavra filosofal do Quibungo!
Não a dança ritual, mas a marcha do mundo
Não a arte que se recusa a imitar o cotidiano
Mas a criação de uma realidade nova, condensada
Uma redistribuição do canto, uma justiça no sangue
A abstração que se vê, concreta
A ação que se permuta, ethos mimético.

Um dia, breve, a África saíra do estado de alerta
Deixará de ser um alerta para os fariseus da Humanidade
A barriga aberta sobre a qual se debruça
O pensamento taxidermista, tolamente contemplativo...
Será o que já é em emissão anímica
Força liberta tisnando e enchendo a Terra de brilho!
E, então, aquele gemido do menino, inaudível,
Vai virar um canto,
Gorjeio na partitura dos raios de sol
O que considerávamos uma obra de arte
Não será mais um objeto sem função ou função
Não será objeto senão de um desejo desperto
Um olhar será uma construção tão alta
Quanto uma pirâmide que beija a estrela mais alta.

É como se a Humanidade, hoje, morresse ao usar
Uma roupa que não é sua, uma cara imitada
Uma comida que não cabe no seu estômago
Um sentimento que não entra no seu coração.

Viva a África Futura! Viva Fulanis, Bambaras...!
Viva Massais, Yorubás, Ashantis, Bakongos, Dinkas,
Zulus, Soninkes, Berberes, Somális, Etíopes e Nueres!
Viva Boubou Hama, Aimé Césaire, Francisco Tenreiro,
Birago Diop, Senghor, Pepetela, Todos em Asmara!
Viva a África Que Dura!

O joalheiro que falsificou o ouro vai secar no Deserto da Contrafacção...
O biólogo "Nobel" que inventou a cura fingiu que não inventou a doença
Escondeu o dinheiro que ganhou com a sua "descoberta"
Vai precisar empenhar ou louros e as láureas
Porque ele não terá terras e sim cinzas
Ele não domará uma dor, e sim cinco mil
Ele não amará anti-amarras, e sentirá um cinturão
Em volta de seu "planeta" antropomórfico.

Foi no fundo do tacho do continente, no chão do imã.
Foi na África do Sul, onde decantou o último dinheiro pesado dos brancos,
Que brilhou a pedra angular da União Africana
A mais nova versão do sonho de unidade negra
A esperança de um agricultor moçambicano
Que um dia precisou cruzar a fronteira clandestinamente
Para conseguir trabalho
E foi devorado pelos leões do parque turístico Kruger
Que a televisão mostrou como exemplo de preservação.

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