sábado, 7 de março de 2009

A CULTURA COMO CHAMAMENTO
por Bruno Cattoni

Como disse o lingüista Noam Chomsky, a única maneira de romper o monopólio da violência exercido pelo imperialismo estadunidense é por meio da opinião pública, dos protestos, da cultura dos direitos humanos e do sentimento de solidariedade. Mas precisamos ser mais pró-ativos e realistas na nossa sensibilidade sobre o que está acontecendo no mundo globalizado.

Como evitar as catástrofes senão através de um chamamento de todos aqueles que lutam dentro de suas minorias, dentro dos seus conceitos de mundo, de suas diversidades, de seus territórios físicos, culturais e espirituais, dentro do seu sofrimento? Um chamamento que seja generoso, desarmado, hospitaleiro, com irrestrita boa-fé. Um chamamento não-militar, não-dogmático, não-conceitual, não-partidário, não-antropocêntrico, e não-messiânico. Um chamamento que não parta de um protesto, de um rancor, de ser contra, de ter ódio, de nenhuma teoria, e de nenhum academicismo.

As premissas devem estar subordinadas à fricção das vivências e das convivências. Os princípios, as possibilidades do amor e da compreensão do outro e da amizade. Já sabemos que ou a hegemonia do neoliberalismo, do fundamentalismo mercadológico, em todas as frentes da vida moderna, é erradicado, ou a sobrevivência da espécie humana estará biologicamente comprometida. Agora, resta fazer com que os povos se levantem do sono do seu esplendor e dialoguem. E que, a partir daí, a banalização do ser humano dê lugar a um ser religado à sua essência humana universal, à sua criatividade e à sua liberdade. A criatividade e a liberdade só terão algum significado quando recobrarmos a importância da cultura, da arte e da expressão poética, na vida humana.

A utopia da espécie humana, em tempos de catástrofe e alienação, depende da sobrevivência biológica da espécie. As utopias podem habitar o ente humano, mas é preciso que o contato com o mundo encoraje o ente a reconhecê-la dentro si, a confiar nelas, confiando no mundo, a extrair delas um devir, a partir da coexistência. A capacidade de transcender limites é inerente ao ser humano, posta à prova nas tentativas de se alinhar com a natureza, ora se aliando, ora entrando em conflito com ela.

O ser humano faz da sua atividade vital um objeto de sua vontade e consciência, como disse Karl Marx, nos “Manuscritos Econômicos e Filosóficos”. “Os animais só produzem a si mesmos, enquanto o homem reproduz toda a natureza. Assim, o homem constrói também em conformidade com as leis do belo”. Não só a consciência é o veículo do ser humano neste caminho, mas principalmente a cultura, que é a melhor parte do que ele pode fazer para ver seu próprio reflexo em um mundo por ele construído. “Quando o homem se defronta consigo mesmo, também se está defrontando com outros homens”. E é uma operação recursiva: quando está se defrontando com a utopia de outros homens, ele se defronta consigo mesmo, com as suas utopias. A atividade da cultura cura o homem de sua alienação, e faz com que o seu produto pertença a ele mesmo e a todos os demais.

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