sábado, 7 de março de 2009

QUAL O PRÓXIMO PASSO?
por Bruno Cattoni

O que fazer quando for restaurada a ética e a decência política? Qual será o próximo passo? Reduzir impostos dos empresários para que tenham mais lucros, e da classe média para que seja uma classe domesticada e estéril? Privatizar as empresas que ainda restam nas mãos do Estado? Fomentar o crescimento a partir de uma filosofia darwinista, do vença-o-mais-forte, e expurgue-os-mais-fracos? Um crescimento baseado na tecnologia predominando sobre o homem, o adestramento sobre o aprendizado, e o mercado sobre o trabalho?

É preciso saber se depois de restaurada a ética, teremos liberdades para além das elites, resgate de cidadania, aumento da força do trabalho, distribuição de renda e de terras. E que não haja progresso enquanto houver desigualdade social. Porque se não há corrupção e prevaricação, a ética e a decência também podem faltar quando há fome e miséria, doença e degradação humana, injustiça e mercantilização da natureza e de seres humanos.

O que fazer quando for feita a reforma política, quando tivermos o voto distrital, o fundo público de campanha e a fidelidade partidária? Qual será o próximo passo? Concentrar a correlação de forças partidárias em três ou quatro partidos viciados no jogo político, numa ideologia de consenso que tenta nivelar as contradições do país em votações arranjadas com vistas à governabilidade? Que governabilidade, se no governo há um presidente com poderes ditatoriais respaldados pela constituição? Que governabilidade se as contradições do país forem esquecidas por um presidente com perfil ideológico obscurantista?

É preciso saber se depois da reforma política, terão liberdade de opinião dentro desta correlação de forças, os candidatos que representam os movimentos populares, a cultura dos direitos humanos e o sentimento de solidariedade. E se entrarão na pauta das votações as emendas à constituição que permitam a inclusão social e a redução de todo tipo de violência étnica e racial, contra pobres e desvalidos, nas cidades e no campo.

O que fazer depois que varrerem a esquerda sob o pretexto de que ela é retrógrada e com base no sofisma de que no mundo não há mais lugar para ideologias polarizadas?

Qual será o próximo passo? Talvez deixarmo-nos cooptar pela filosofia do mercado, onde a mão-de-obra de pessoas capazes é sempre bem-vinda desde que aliada ao pensamento único. Talvez possamos ajudar os disseminadores do pensamento único a seduzir os movimentos sociais para que sejam menos radicais e mais domesticados. Para que servem as reivindicações dos movimentos sociais se haverá mais fábricas para garantir mais empregos, mais oportunidades, mais percepção de renda, mais consumo, mais bem-estar e mais felicidade? E se, rezando na cartilha do mercado, houver distorções, para o bem da economia, e somente da economia, vamos corrigir o rumo em direção ao pensamento único, impermeável às contradições da luta de classes e da própria vida.

Por que não continuar lutando pelos ideais transformadores da esquerda, chamando para nós a responsabilidade de denunciar desvios e corrigir os rumos da revolução popular, em direção à maior participação dos trabalhadores na gestão da economia, e da maior participação no processo de construção do futuro também daqueles que sequer tem documentos, pão ou roupas?

O que fazer depois de investirmos pesadamente em armamentos militares, em inteligência policial e na construção de presídios para a redenção da sociedade vulnerável diante dos bandidos à solta nas ruas? Qual o próximo passo? Prender um número cada vez maior de bandidos, desbaratar as quadrilhas de malfeitores, e superar em armas o poder de fogo das facções criminosas?

Quando todos os bandidos estiverem na cadeia e houver uma falsa impressão de segurança nas ruas, será difícil perceber não só a brutalidade da repressão contra os marginalizados, como também o uso brutal da mídia para táticas de domínio. Será difícil enxergar a virulência da globalização imperante, que exclui metade da humanidade e mais da metade do Brasil. Será difícil sentir a voracidade do capital financeiro, do latifúndio esquizofrenicamente voltado para o agronegócio ou para a extração indiscriminada de madeira e de recursos minerais. Será difícil ainda nos deixar atingir pela violência com que são tratados os velhos, as mulheres, as crianças e os doentes do outro lado da sociedade, que só reaparecerá daqui a alguns anos, na forma também brutal das comoções e dos conflitos sociais.

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