sábado, 7 de março de 2009

AURORA

Ah, Companheira...
Como estive fora do mundo todos esses anos!
Acho que sempre vivi
como se nunca tivesse morrido.

Armado sob os lençóis de sonhos,
quando a guerra, por trás da cortina da vida,
tinha um outro sentido depois da cena aberta.

Como estive mudo!
Refletindo com a alma
os dizeres e os letreiros
que findavam onde findava a estrada.

Sou eu quem sempre disse estar à procura
de viver intensamente,
quando, não obstante, era a vida que operava
o milagre em mim de me deixar correr, voar,
explodir fragmentos do meu destino e, ainda,
estar inteiro na intensidade.

Sedei milhões de seres para não gritarem de dor.
Lotei de excitação o desamor de tantos filhos do abandono
para que não encarassem, de rosto sem máscaras,
o não-destino.

Pus farsa onde só havia carne viva ardendo.
Recobri da lona do perdão montes de corpos
calcinados por suas próprias labaredas,
na combustão espontânea dos crânios aprisionados,
sem a tangência dos ventos mensageiros das colinas.

Ah, Companheira...
Não existem deuses!
Nem secundariamente.
O que existe é uma luz saindo de lugar algum
que nomeamos amor,
ambos - a luz e sua origem.

E, a propósito, o Universo nunca foi criado.
O destino é que veio desmoronando
do depois para o agora.
E o passado jamais existiu, ou melhor,
sempre fez-se dúvida jogada
no meio de um grande precipício,
num mar vazio onde procuramos propósitos
que já se evaporaram na poeira da predação.

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