sábado, 7 de março de 2009


POR UM SABER MAIS DIVINAMENTE HUMANO
por Bruno Cattoni

Além da ciência

Emmanuel Lévinas (na foto ao lado) foi reabilitado nos últimos anos, mas o seu saber, por décadas, esteve exilado da academia com a pecha de teológico. Ele queria mostrar que o saber racionalista era totalitário e excluía do conhecimento mistérios que não podiam ser verificados por meios científicos, e nem por isso deixavam de contribuir indispensavelmente para a compreensão do mundo e das relações humanas. Preconceito semelhante haviam sofrido, pelos filósofos da ciência, Freud e Jung – a psicanálise, e suas vertentes, não mereceriam respeito porque não teriam base científica.

Lévinas, Freud e Jung nunca estiveram sós. Mas a ciência continua sendo uma ferramenta de conhecimento redutora e insuficiente frente aos desafios de um mundo cada vez mais complexo, violento e incompreensível. As bancas examinadoras das academias continuam reverberando o pensamento único e nas salas de aula ainda se ouve professar o saber racionalista como fim exclusivo dos esforços para a identificação dos problemas e para a obtenção das respostas.

Seria possível, num mundo globalizado e diverso, um programa puramente racionalista e empírico, à moda de Kant, como procura da verdade? Ou esta verdade dependeria dos fluxos de poder, que se expandem e se contraem através da história, como observava o filósofo da ciência Paul Feyerabend? Para um cientista, o vaso é um pedaço de matéria posto em determinada forma. Para o selvagem, tem um significado mágico definido pela sua função ritual. Quem tem razão? Podemos, antes, nos indagar, quem tem mais poder. Nas academias do mundo culto, o cientista terá razão e poderá impor a sua verdade. E na selva? Sei, os cientistas vão querer explicar que a diversidade é uma noção ingênua que só serve aos direitos humanos, jamais aos ideais científicos.

O fato é que a ciência está cada vez mais nas mãos de um poder hegemônico no mundo, a serviço dos donos do sistema capitalista. Interessa matematizar o ser humano, com uma lógica muito semelhante ainda, em essência, às doutrinas de inspiração positivista que reinavam no início do século XX. Não interessa a este saber que deseja a tudo abarcar que haja um conhecimento mágico e libertário, que não se pode englobar porque não responde aos padrões racionalistas. Não interessa, enfim, a utopia de um novo ser humano, como queria Emmanuel Lévinas.

O que não tem suficiência científica não é saber e não pode ser usado para a compreensão dos fenômenos naturais, sociais, e psicológicos. É assim que grandes pensadores, como o cientista social Edgar Morin, são banidos dos círculos canônicos mais austeros, com uma ferocidade que beira a censura ideológica. Aliás, ações discricionárias em nome da ciência nada mais são do que censura ideológica.

Não só os poetas consideram que a arrogância antropocêntrica do logos, do "eu penso, logo existo" esqueceu as dimensões do vivido, as dimensões da entrega ao outro, e as dimensões divinas. Viciados nas mensurações da ciência, cotidianamente, trocamos o espanto pela equação, a proximidade pela distância, o convívio pela explicação, o mito pelo logos. São os próprios fatos que atestam o quanto a razão, paradoxalmente, semeia irracionalidade.

Então por que não examinar, disciplinarmente, e disciplinadamente, a influência, em nossa construção de mundo, das categorias numenais, que não se esgotam na fé alienada. O aprendizado divino é essa busca do Infinito na proximidade e no amor, conhecimento negado pelo processo civilizatório. Quando a ciência, via estruturalismo, alcançou esse aprendizado acabou aninhando as culturas divinatórias em nichos estrangeiros e searas pitorescas, em nada contribuindo para um mundo cada vez mais necessitado de solidariedade.

Por que afastar outros saberes, que estão além (ou aquém) da ciência, no esforço de resolver o impasse da Humanidade, desde a modernidade até os dias atuais, que sinalizam o agravamento da incompreensão, e o contraste atroz entre a alta tecnologia e a miséria absoluta de mais de um terço da população mundial?

Ética e religião

Aqui, do meu humilde ponto de vista, quero apenas encontrar um sentido para o viver, na ética e na responsabilidade para com o outro. Organizo conhecimentos, científicos ou não, para levar a minha tarefa a bom termo. Sirvo-me de pensadores da alteridade e da linguagem, como Lévinas e Wittgenstein, que repensou certos conceitos considerados tabus na filosofia da ciência, como a ética e a religião.

"Vejo agora que estas expressões carentes de sentido não careciam de sentido por não ter ainda encontrado as expressões corretas, mas sua falta de sentido constituía sua própria essência. Isto porque a única coisa que eu pretendia com elas era, precisamente, ir além do mundo, o que é o mesmo que ir além da linguagem significativa. Toda minha tendência – e creio que a de todos aqueles que tentaram alguma vez escrever ou falar de Ética e Religião – é correr contra os limites da linguagem. Esta corrida contra as paredes de nossa jaula é perfeita e absolutamente desesperançada. A Ética, na medida em que brota do desejo de dizer algo sobre o sentido último da vida, sobre o absolutamente bom, o absolutamente valioso, não pode ser uma ciência. O que ela diz nada acrescenta, em nenhum sentido, ao nosso conhecimento, mas é um testemunho de uma tendência do espírito humano que eu pessoalmente não posso senão respeitar profundamente e que por nada neste mundo ridicularizaria" (Conferência sobre Ética, L.Wittgenstein).

Não desejo fazer uma profissão de fé pelo conhecimento intangível, mas humildemente demonstrar, por intermédio de uma linguagem talvez cientificamente primitiva, ou selvagem, que o amor é um dado da realidade, um dado informatável e inumerável, mas que pode orientar as idéias em direção a uma compreensão maior do papel do ser humano no mundo, frente aos desafios de uma contemporaneidade tosca, que a técnica e a ciência não conseguiram refinar.

Batizando a sua ética de "ética da responsabilidade", Lévinas não conseguiu acalmar a incredulidade arrogante dos cínicos que o chamaram de filósofo dos direitos humanos. Mas ninguém o contestou na denúncia que fez dos efeitos que a ânsia da perfeita inteligibilidade produz na interação entre as pessoas. Lévinas afirma que somos dependentes dos outros de maneiras das quais muitas vezes não estamos sequer conscientes, precisamente porque tantas vezes pensamos sobre nós mesmos em termos dos critérios avaliativos da racionalidade moderna.

A ética como filosofia primeira é o maior avanço proposto por Emmanuel Lévinas no terreno do pensamento, que também é ação e sonhar, que também é construção de um outro mundo possível. Ultrapassando as considerações da ontologia fundamental, Lévinas identifica, finalmente, a filosofia de Heidegger como materialismo envergonhado. "Põe a revelação do ser na habitação humana entre Céu e Terra, na perspectiva dos deuses e em companhia dos homens".

E, em Totalidade e Infinito, Lévinas explica a sua "técnica", a partir do amor sem concupiscência, e do desejo como hospitalidade: "Partir do rosto como uma fonte em que todo o sentido aparece, do rosto na sua nudez absoluta, na sua miséria de cabeça que não encontra lugar onde repousar, é afirmar que o ser tem lugar na relação entre os homens, que o Desejo, mais do que a necessidade, comanda atos. Desejo, aspiração que não procede de uma falta metafísica, desejo de uma pessoa".

A psicografia como ferramenta do pensamento

A psicografia da mensagem dos espíritos é a transmissão deste saber que excede ao conhecimento científico. A psicografia como instrumento de desvelamento de um outro saber ou de orientação para outras regiões do saber humano, vizinhas desse Desejo do Outro que é fonte de toda a significação. A psicografia deve ser compreendida aqui apenas como parte dos aparatos de apreensão do mundo sensível e do mundo interrelacional, e mais do que uma hermenêutica. A psicografia é uma ferramenta de pensamento para uma fenomenologia da idéia do Infinito, onde vamos pensar a terceira direção, além da imanência e da transcendência do ser.

Esta visita que fazem os espíritos ao mundo dos homens através da psicografia tem uma significação no Outro, porque é ao Outro que as mensagens visam. Onde esta visita pode encontrar a visitação do Rosto e esta visitação pode encontrar a hospitalidade do ser?

Lévinas esclarece: "A abstração do rosto é visitação e vinda que desordena a imanência sem se fixar nos horizontes do Mundo. Sua abstração não é obtida a partir de um processo lógico que parte da substância dos seres, do individual e do geral. Sua maravilha consiste no alhures donde vem e para onde já se retira. O Outro é um puro buraco no mundo. Ele procede do absolutamente Ausente. O Deus que passou não é o modelo do qual o rosto seria a imagem. Ser imagem de Deus não significa ser o ícone de Deus, mas encontrar-se no seu vestígio. Ir para ele não consiste em seguir este vestígio, que não é um sinal; mas em ir para os Outros, que se mantêm no vestígio da "eleidade" (o além do ser). É por esta "eleidade", situada além dos cálculos e das reciprocidades da economia e do mundo, que o ser tem um sentido. Sentido que não é uma finalidade. Pois não há fim, não há termo. O Desejo do absolutamente Outro não virá, como uma necessidade, a se extinguir numa felicidade" (Humanismo do Outro Homem, E.Lévinas).

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