sexta-feira, 23 de dezembro de 2011


O DESBRAVADOR

Eu invento que a conquisto
mas não a quero agora
porque não sei
a que horas vai nascer,
na esteira de palha, este rebento,
ao abrigo da luz. Às seis da matina?
...quando as gotas do sereno
ainda reluzem no sol pálido?

Eu invento que a conquisto
no meio desta feira de instantes
quando não se sabe a hora
de qualquer coisa ter seu tempo.

Antes de desejar, antecipadamente
ao meu querer,
eu a conquisto pra logo,
sem narrações ou relatos,
serenatas ou milongas,
sem esperar pelo amor
ou que seu coração responda.

Antes de desejar novamente,
ou lhe querer,
eu a conquisto sem infâmias
com um vaso de cerâmica,
sem flores,
porque não são para colhê-las,
mas para por seus dotes
de estrela.

Antes de estar consciente
se é querer,
eu a conquisto agora
sem prelúdio ou anúncio,
sem acordar do sonho
de amanhecer a dois.

Eu a revisto na alfândega,
trôpego de tanto caminhar,
pra saber se tem consigo
mesmo algo que eu não queira
e, sem ver sentido prático,
cruzo a sua fronteira
e, mesmo se nada registro,
ainda assim eu a conquisto
sem ter visto o que fiz,
sem dar pelo meu ato.

Com um olhar de relance
eu a arremato anônima,
só pelo seu aroma,
seu lago de jacintos
onde entorno meu sangue,
pálido pássaro da Caledônia
que de lá voa só pra amar.

Eu conquisto um patrimônio,
ao estar aqui diante,
embriagado de hormônios.
Num delírio de déjà vu,
sou um rei da Macedônia
que virou um colibri.

Eu a conquisto agora,
na vigésima-quinta hora
e a esperança já dormia.
Antes de desejar um ser recente
eu esqueço o meu querer
e a conquisto no passado,
no futuro e no presente.

Essas vitórias são do mundo,
esse tipo de conquista.
Quanto mais funda a intenção
mais de todos à vista.
Eu a conquisto, companheira,
sem onde cair vivo,
senão em seus braços,
senão em seu colo.
Se não for pra isto
- sejamos realistas! -
já desisto de amar.

domingo, 18 de dezembro de 2011









O REMO

Desde o início foi assim
quando te chamei para uma viagem:
vc com as suas imagens
eu com as minhas palavras
vc com as suas margens
eu com as minhas águas
vc com suas jardinagens
eu com minhas flores
vc com os seus vestidos
eu com a carruagem
vc com seus desejos
eu insistindo na viagem
vc com suas aulas
eu aprendizagem
vc com seus medos
eu com minha coragem
vc com seu traje de camponesa
eu com minha nudez de poeta
vc com cuidado
eu com homenagens
vc com lições na bagagem
eu aprendendo a mulher selvagem
mágicos e ágeis
fortes e frágeis
sem imagens, hábeis
sem palavras, hábeis
sem tê-la aqui, sábia
grava no coração a tatuagem
que eu queria no camafeu
paixão escrava, voragem
lábios amarrados aos meus
deslizam, se soltam
canoa instável
sem meu remo
vc na outra margem
eu aceno.
RESUMOS

Bateram em minha porta espíritos anões
com árduos conselhos que falavam de resumos.
Vidas compactas que teriam de ser horizontes...
Mas que foram afogadas em rios de discórdia.
Deixei-os entrar para o absinto das tardes chãs.
Soube de demasias referentes aos suspirantes.
Soube de revezes ocorridos antes das badaladas.
Soube de verídicas poções de veneno feito de sol!
Nunca havia tido relatos de triunfos abortados
a milímetros da linha de chegada e do fim da luta.
Mas agora, depois dessa visita, eu reli as bíblias
e ainda estou repensando o Apocalipse moderno.




MANHA - VIDAS E VINDAS

Quero escrever sobre a impotência do ser humano
mas só me lembro de suas manhas, de suas artes,
de suas instabilidades lunares, das partes boas.
Tolero, sob o peso da condescendência, a pessoa
que está perdida em si, mesmo tendo sua história.
E, se posso ser indulgente com toda essa gente,
também devo esquecer meu fenecimento e meu dano.

Devo à plenitude da bem-amada minha hora mansa
sem me esquecer que fui hediondo em outros atos.
Como esta fruta que eu descasco com as unhas,
essa cana que trincho com os dentes,
esse amanhecer que tranco nos olhos,
a semente onde, dentro, me semeio e desabrocho
- factível transgenia com o fantoche do desejo.

Neste descampado ouço nossos ecos recíprocos.
Formas curvas se aderem como luvas ou polias.
Busco a justeza, ora com beleza, ora brusco.
Ganhamos em alianças o que o dia perde em luz
e, quando o manto do firmamento cobre-nos o elo,
a fervura da terra exala extratos de fogo azul
para usarmos em sonhos que não se realizam.

Atuamos numa metamorfose de animais vulcânicos
para compor a manha de não nos dissolvermos.
Numa palavra homemulher, contração que aflora
para que, na hora de receber, seja o outro que dá
e, indissociáveis, não precisem mais de abraços,
tanto quanto a noite acolhe e rebuça o flamboyant
sem que de ensejo careçam, ou de cortejo e chance.








ALGUÉM COMO VOCÊ

Eu não terei mais chá em casa
porque há muitos revólveres em todas as casas,
gritos surdos, apelos mudos, cansaços
mais violentos que os tiros absurdos
dessa guerra interior, nos abismos, cascalhos
e as flores que chovem não aliviam o mormaço
que desceu nas relações em chagas da vizinhança.

Não tenho mais chá em casa, só folhas sem sabor
Mesmo assim eu as fervo para sentir o calor
subindo na fumaça que açoita o ar nervosa...
As idéias, teorias, teoremas, teses...covardias
com este coração transbordando de seiva e óleo.
Estamos pálidos de tanta censura sem senso,
de tantas sensações sem costura de sentimento.

Já é muito pra nós não termos chá em casa...
Como vamos recordar os passeios sem o outro?
Como fizeram sentido se haviam sem aprovação
do nosso conhecido olhar de meninos que amam?
Tomemos essa frustração não registrada antes
mas sofrida sim...Onde foi que a sofremos?
Em que parte do peito que agora não vejo meu?
Já éramos servos do desejo que iríamos sentir
mas não temos chá em casa para saber disso.








HONRA

Decida se a honra ficará sob uma máscara
de orvalho ou de pedras caras que oneram
o seu estilo mais trabalhado de pensar.

Decida pela descida às minas de humanidade
que estão a esperar pela firmeza telúrica
abandonada lá trás na delação premiada...

Quando entregou a inocência aos órfãos
de honra e recebeu em troca os vinhedos
ignorando seu certificado nos rótulos.

Decida se a honra lhe onera ou opera
em você a maior transmutação possível
que é voltar ao estado natural de ser.

A taça do triunfo será desembriagar-se,
despertar nua e crua e de olhos abertos
para a honra não sua nem a de cadernos...

Existir pra fora, de onde partem os afetos.
O seu lugar e a sua honra são a chance
de recriar numa estrela o amor mais perto.

Decida se honra é brigar por uma desonra
sofrida ao pé do leito de morte de alguém
que passou a vida a jogar sua vida fora.

Ou se honra é prosseguir agora, na raça,
levando consigo não mais que suas mãos
desarmadas e um cinto de caridade e graça.
CARROS AMARELOS

"Cuspir a verdade ou morrer"
como um lema, ou um mantra
de um ocidental sacripanta
que enjoou do vício de ver
passarem os carros amarelos
e optou pela água dos rios
trazendo notícias do morro
e folhas secas de carvalho.