JONAS E A VERA ÉTICA
"Basta de sono! Não durmais! Glamis destruiu o sono! Por isso Cawdor já dormir não pode, Macbeth dormir não pode!" (Macbeth, Ato 2, Cena 2 W. Shakespeare)
I
Jonas não pode velar a existência.
Gostaria de ficar acordado,
aderido ao contrato irrescindível
feito pelos chocos vultos viventes
com a noite e sua vacuidade.
Mas a noite é cheia de carnegões,
uma pústula de sementes pútridas.
Como escoar-se por estes ralos
e ainda vigiar o régio labirinto,
passar pelo sono e ainda sonhar?
Ser uma vela acesa na escuridão
para que os caminhos sem fim
sejam caminhos em seu tempo,
os instantes não percam alegria
e o prazer de buscar a chegada.
II
O resultado é trágico e inevitável:
Jonas cega-se e esmurra os muros.
Usa ainda as facas também cegas
e sangra o que não se pode cortar.
Sem nunca abandonar seu desejo
de vigiar o que vige eternamente
o que, na vigília, e intensamente,
se revela com toda a virulência.
Jonas não poderá jamais dormir!
III
Velar, revelar, ocultar, cegar-se...
Como escapar da rude dualidade
do cansaço cuja cura é a insônia?
Seu inconsciente o trai toda hora
e suprime desejos, pulsões, élans,
até Jonas não mais saber se é feliz
ou se tem um ser vivo dentro dele,
arrebatado pela própria fatalidade
em confronto com a própria aurora.
IV
Para esconder a existência, dormir.
Encontrar a existência, só no outro.
Para revelar a existência, despertar.
Para fugir da existência, sair de si.
Ao dormir tal bula não faz sentido:
Para velar seu corpo, não está aqui.
Para velar-se morto, quem está ali?
Se dormir, Jonas não poderá velar-se.
Estará cindido!
Onde ocultar o corpo fora da vida
se ele está intrinsecamente ligado
ao espírito e à totalidade do outro,
pela ética...?
Para onde levar o ser de seu corpo?
Fita infinitamente mas seu fito
é buscar, invadir a originalidade,
se candidatando escatologicamente
ao infinito...
Não mais ser devorado
pelo tempo doente, claudicando no ente,
se dissolvendo no infinito, parte já do espírito,
além da identidade e de nossos instantes.
O corpo não tem lugar para desaparecer.
A existência nunca será sua campa!
Então, se todos o que é estão cindidos,
em que si mesmo ocultar-se?
V
O que Jonas quer: velar ao cobrir?
Ou velar algo que quer descobrir?
Jonas quer revelar-se para escapar,
ou quer revelar que não há saídas?
Talvez a saída de Jonas seja Vera.
Talvez ela seja a verdade de Jonas...
Não pelo amor que tem por Vera,
mas pela ética de o que tem Vera
não ser seu amor, ser sua verdade.
O insone encontra em Vera a ética,
emerge do ser em corpo e espírito,
vai viver em Deus sua identidade.
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