terça-feira, 28 de abril de 2009

O MUNDO É GOZADO


Qual a hora em que,
sob a Lei do Desejo,
atrás do véu do beijo,
o prazer que acalma
encontra o gozo que,
em gratificando, cala
e revela o ser que é
sentido só quando
há no fundo o prazer
e ambos logo estando
juntos na mesma vala ?

Mas antes que trombem
e depois se assombrem
(unam-se como excesso),
vou fazendo meu verso
pois corpo é feito carne
pela palavra que o habita
desliza, excita e encarna,
num dentro que é outro,
unguento que une e ata,
ambos como obra árdua
recíproca e mútua errata.

Só se goza sem sentido
se o prazer for mentido
e, se o prazer for verdade,
gozo deve ser a maldade
de uma piada escutada
sobre o retrato de alguém
que reluta em se retratar,
largar o dito ao desdém
assumindo o seu dizer
que é a graça de se viver,
não o escárnio de outrem.

domingo, 26 de abril de 2009


CORDEL DA LUA EM GÊMEOS

Ai, ai, ai, como penso em você!
Que perigoso frêmito que ecoa!
Quando só pensamos na pessoa
distraímo-nos dos vetos
e da vera relação possível.
Arte da lua em gêmeos,
aspecto da falação do afeto
(nos silêncios que o plano é tecido).
Paixão é burburinho,
é rumor de um canarinho
que não cansa de cantar,
que não deixa decantar.
Mas a vida, tão cansativa,
precisa, nas tratativas,
de um comando perfeito
para juntar o encanto ao defeito
que é de todas a melhor prerrogativa
de quem não quer ser logo descartado.
Porque o defeito também encanta
quando apurado na bateia do amor.
Mas como perceber o que a Natureza fez malfeito
se, na apnéia do espanto, não há censor nem censura,
se se olha, entre juras, desvanecido para a beleza
(sedutora parte de tudo o que acaba),
desligada de tudo o que desaba
(do cicio dos avisos, da efêmera ribalta),
deslizada na bába do momento
em que se dá o sentimento
de ter encontrado a natureza que falta
ao que se pensou de você.

sábado, 18 de abril de 2009


AFETOS EXATOS

Fique límpida como uma transparência viva
Numa era opaca para espelhar a luz humana.
Fique síncope de nuvens num céu convulso,
A chover saliva ardente, lava de duplo signo,
Lavando a lava dos vulcões que vêm limpar.
Que o Sol ainda não invada as noites de sono,
Sonhos prossigam como a anarquia do cogito,
Das idéias que alegram os rufiões da filosofia.
E nossa opinião só valha quando em projeto,
Quando for para inventar a morada amorosa.
E os senhores possam imitar em generosidade
Escravos que já banharam o ódio nos perdões.
Mestres e aprendizes unidos sublevem o saber,
Medo que cede lugar à ousadia dos que agem.
Fique fímbria e caudal, rio tecido na margem.
Como artérias que se alargam ao amor chegar
Num coração que fabrico fora dos confrontos.
Fique encontro, quem espera alguém de mim.
Não há alguém em ti, mas a flor de ti mesma.
Até que num motim suas vísceras se acendam
Emerjam para buscar nos ex-atos que fugiram
Os ensejos que se desconectaram dos desejos.
Como uma humilde pastora avança ao estrelato
Com suas ovelhas inquietas na intuição coletiva
Ansiando a abordagem dos touros endiabrados.

terça-feira, 14 de abril de 2009



SONHANDO COM UMA MULHER QUE SONHA

Procuro uma casa em outra cidade,
E não saio à noite.
O destino parece me deixar ficar,
Parece que não acredita que eu vá.
Sinta a solidão rodeada de gente.
Depois experimente a solidão sem ninguém.
Diga qual é a pior,
Ou se é igual.
Eu sei que há pessoas, como as mães,
Que tiveram de se acostumar.
Mas tente você. Eu já tentei.
Vivi só dos dois jeitos.
Então confesso:
Prefiro a solidão rodeada de gente, cachorros e problemas.
Tudo vale a pena para ficar ao lado dos filhos,
Até guardar os sonhos.
Ninguém prefere os furacões e as tormentas.
Nem os marinheiros.
Cheguei à conclusão de que sou uma pessoa comum,
Sem mais direito a sonhar.
Mas também de que estou errado
Porque eu sonho sim,
Não tem como evitar.
Eu sonho mas não realizo,
Ou apenas no coração.
Dentro de nós, todos temos uma mulher,
Uma mulher que sonha,
Uma mulher com quem sonhamos.
Sonhamos com uma mulher que sonha!
Isso é mais real
Do que não sonhar nada, nada...
Absolutamente nada.

sábado, 11 de abril de 2009


MULHER-SINTOMA

Ela caminha, impoluta. Ela enfrenta, indefesa. Ela impõe, devoradora. Ela matiza, preto no branco. Ela pega no tranco. Ela intercala, rumorosa. Ela perde a conta, numerosa. Ela seduz a resposta dando um novo nome à rosa. Ela contraria, voluntária. Ela é o leite, antes da glândula mamária. Ela desencaminha, indecisa. Ela esquenta, sem bateria. Ela leva pra quem não trouxe. Ela houve por onde, insaciável. Ela brilha, sem espelho. Ela arranca os pentelhos, inflamável. Ela não é, mesmo que fosse. Ela silencia, pra que eu ouça. Ela faz, insatisfeita. Ela não jaz, quando deita. Ela caminha pra luta. Ela enfrenta a zorra. Ela está em paz, porque se ajeita. Ela soma, Sodoma. Ela é sintoma, Gomorra. Ela se salva, se der. E quem puder a socorra!