sábado, 7 de março de 2009

A CASA DA ALTERIDADE
por Bruno Cattoni

Ninguém é anônimo. Ninguém é apenas o exemplar de uma espécie, ou tão-somente como o outro o vê. O ser se ultrapassa em sua singularidade, na sua identidade única e intransferível. A consciência da ilusão de que todos são iguais não desqualifica a luta pela igualdade de direitos. Todos merecem ser vistos como seres únicos, cada qual com sua demanda. E todos devem ter acesso à satisfação de suas necessidades humanas de ser amado em primeiro lugar, e de comer, vestir-se, abrigar-se e encontrar um espaço para transcender-se em sua criação, em seu trabalho criativo, em suas habilidades originais de participação social.

O clamor por justiça para si e para os outros sempre foi também uma necessidade de quem vive. Mas esse apelo nem sempre encontra redenção. O exercício da liberdade nos parâmetros formais da nossa civilização atual não é um requisito que garantiu a paz entre os seres e os povos. Mas é possível visualizar e sentir a solidariedade e a tolerância quando há espaço e oportunidade para o exercício do amor, enquanto misericórdia e compaixão. Queremos, e devemos crer, que cada um traz a felicidade em si, antes mesmo de se ter meios para realizá-la. Cada um traz em si também a capacidade de transmitir a solidariedade ao outro que aparece, carente e limitado nas suas demandas mais singelas.

O amor sem atestado de retribuição não tem tempo. Não é só uma doação. É um testemunho de humanidade, de existência positiva, de defesa e promoção da vida. Tanto faz realizar este amor desinteressado em que tempo for. Ele tem duração de permanência. Ele terá sempre, e mais agora, a mesma força e a mesma aptidão de fecundar. Ele faz com que todo o tempo seja preenchido, sem ser totalizado, sem extinguir imediatamente a falta de uma necessidade, que será identificada pelo amor e com a qual poderemos conviver, a partir do amor. Tempo algum será completo enquanto estivermos realizando a obra de atender ao outro, sem compromisso prévio, apenas com a força espontânea da entrega.

A verdadeira justiça não está num código punitivo que submete os anônimos. Isto é presunção de justiça, e não justiça. No campo da alteridade radical, onde não se forma valor antes da responsabilidade ética para com o outro, a justiça se faz no face-a-face, no reconhecimento do outro como único e de todos os outros, cada qual soberano em sua identidade. Então, o próximo é um rei no reino do amor, onde sou súdito e servidor. Não há, nesta fraterna posição, subserviência ou indigência moral, posto que também não há tirania e violência no outro, atributos que não tenho o direito de enxergar de antemão no meu próximo, por conceder-lhe o benefício de ser alguém capaz de receber amor.

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